Pois é, cafezeiros. Eu começo esse posto quebrando um grande paradigma: Torra clara é sinônimo de qualidade? A resposta é "nem sempre". Escrevo isso sem sombra de dúvida e eu explico melhor.
Durante minha trilha como torrefador e barista (e já se vão alguns anos), eu percebi que nem todo café se desenvolve bem com torra clara. Isso porque o tempo de desenvolvimento do café é crucial para que ele libere todos os compostos aromáticos (que são mais de 800) presentes nos grãos. Cada variedade tem uma estrutura diferente e uma resistência diferente. Algumas possuem uma estrutura mais firme, mais dura, o que requer maior tempo de torra enquanto outras possuem estruturas mais frágeis, mais macias e não demandam tanto desenvolvimento no torrador.
No primeiro caso (estrutura mais rígida), pouco tempo de desenvolvimento no torrador irá ocasionar uma torra crua. Sim, é isso mesmo, torra crua. O café não estará desenvolvido o suficiente e como consequência ele entregará na xícara um sabor adstringente (gosto de banana verde, por exemplo). Já no segundo caso, a estrutura mais frágil requer muito cuidado porque qualquer descuido o torrefador pode passar do ponto caramelizar excessivamente os compostos doces do café. Neste caso, o resultado na xícara será um gosto pungente, parecido com gosto de queimado.
Há um outro fator que também deve ser considerado na torra. Os cafés possuem um sensorial próprio, proveniente da região onde foram plantados, colhidos e onde passaram pelo processo de secagem (sim, até o local onde ocorreu a seca do café faz total diferença). Aqui, nós, torrefadores, consideramos três sensoriais básicos para definir o nosso ponto de torra:
1 - Cafés florais: Este sensorial é muito delicado e ele aparece no começo da fase de desenvolvimento. Insistir nessa fase por um tempo maior do que o necessário vai "matar" o sensorial básico deste café, entregando uma bebida com resultado bem abaixo de seu potencial.
2- Cafés frutados: Já neste caso, o sensorial frutado ocorre um pouco depois do floral, ou seja, mais no meio do processo de desenvolvimento. Portanto, cafés com esse perfil requerem um pouco mais de tempo para desenvolver o seu potencial máximo.
3 - Cafés achocolatados: Cafés com sensorial chocolate e caramelo são cafés com sensorial fácil de entender na xícara mas nem sempre são fáceis de torrar. Isso porque o sensorial "caramelo/chocolate" acontece no final da fase de desenvolvimento, ou seja, próximo ao limite máximo que esse café pode ficar recebendo calor. Aqui é preciso ter muito cuidado para não extrapolar este limite, pois, caso isso aconteça, o café vai apresentar gosto de tostado. Este perfil de café, se bem executados, entregam excelentes cafés para o dia a dia e, principalmente, para extrações mais concentradas (como o espresso, por exemplo).
Eu termino este post concluindo que não é o torrefador que escolhe o grau de torra do café, e sim, o próprio café. Quem define o sensorial do café é o solo e o microclima da região de plantio (o famoso terroir). O profissional que irá torrá-lo deverá respeitar suas características próprias.